segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Celebre os vivos

Conheci um lindo senhor esse ano na Casa de Idosos que sou voluntária. Seu nome era Nelson, entretanto não era conhecido como tal. Para nós, era o Bidu.

Não sei praticamente nada sobre quem ele foi no passado. Para mim ele era apenas o Bidu que teve três cachorros de estimação e ainda achava que os tinha em casa, sendo assim sua obrigação cuidar deles e lhes dar banho todos os dias. Era um homem gentil, que poucas vezes reclamava quando tinha que tomar banho. Respeitava as moças da casa, agradecia demasiadamente pelas refeições e ajudava o quanto podia a levar os pratos de comida para a mesa. Implorava por desculpas quando reclamava de alguma coisa ou quando caía no chão do nada e se machucava. Sim, ele pedia desculpas por ter perdido o equilíbrio.

Há um mês ele deixou o mundo dos vivos. E incrivelmente ninguém se importou. Ninguém de sua família apareceu no velório, apenas o homem da casa de repouso responsável por isso. Sua passagem para a eternidade ficou em branco, pois nem ao menos uma pessoa notou.

Conheço também outro senhor muito lindo. Conheço boa parte do seu passado e o amo demasiadamente. Seu nome é Dilson e eu sou sua Tiquinha, uma das duas únicas netas que ele tem. Sua jornada foi trilhada em meio a muitos erros e acertos, decisões tomadas e amor medido de acordo com os relacionamentos estabelecidos.

Ele estava no exército quando Getúlio Vargas estava em seu último período como governante da nação, praticamente obrigou meu pai a ser flamenguista (quando ele queria torcer para o Santos) e trabalhou nas ruas do centro do Rio de Janeiro até 2 meses atrás. Ele é o mais próximo que tenho da família por parte do meu pai, pelo fato de sempre vir nos visitar e comer canjiquinha. Eu o amo muito e odeio vê-lo naquela cama do CTI já há 3 semanas. Sinto como se estivesse perdendo-o e me recuso a aceitar tal coisa. Eu o amo muito.

Como disse uma sábia amiga ontem ao telefone: "Você está assim porque a eternidade foi plantada em nosso coração. E não aceitamos nada menos do que isto."

Por isso, quero homenageá-lo enquanto ele está aqui, no mundo dos vivos. Não há outra pessoa que eu gostaria que fosse meu único avô, por mais que eu tenha ganhado muitos avôs e avós este ano. Através de suas falhas e acertos aprendi demais. Principalmente sobre o amor.

Aprendi a não reter o amor dentro de mim e não deixar a visita para outro dia. A melhor coisa do mundo é se doar e mostrar o quanto se importa, transmitindo a confiança e carinho necessários para o outro ser se sentir em casa, em um local completamente aconchegante. Esse é o único legado que se pode deixar aqui, na jornada abaixo do Sol, depois que não existimos neste corpo. Tenho medo de não ser capaz de deixar tal coisa aqui; um medo tão grande que muitas vezes me apavora. Enfim, ame até não poder mais. Esse estágio não chegará, pois o amor é infinito. O Amor é Ele, Jesus.

"Todas as demais coisas em nossa vida são transitórias. Qualquer outro bem será visionário. Mas os atos ocultos do amor nunca passarão. [...] Pois reter o amor é negar o espírito de Cristo, a prova de nunca O termos conhecido, de que para nós Ele viveu em vão. Significa que Ele não teve influência alguma em nosso pensamento, que Ele não serviu de inspiração alguma em nossa vida, que nunca estivemos perto dEle o suficiente para sermos fisgados pelo fascínio da Sua compaixão pelo mundo: 'Vivi para mim mesmo, pensei para mim mesmo. Para mim mesmo, e para ninguém além de mim. Tão somente como se Jesus nunca tivesse vivido, como se Ele nunca tivesse morrido'." ¹


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¹ Henry Drummond em A Melhor Coisa do Mundo, 3ª edição, 2010.

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